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Precisamos falar sobre a UTI neonatal

por | 19/10/2020

A UTI neonatal é um lugar frio, de pouco acolhimento, tudo é muito técnico e poucas vezes se percebe um olhar amoroso, mas muitas vezes se nota julgamento, como se a culpa de o bebê estar ali não fosse de ninguém menos do que da mãe.

O fato é que mesmo sendo enfermeira há 17 anos, eu nunca soube de verdade o que era uma UTI neonatal, até estar ali, com o meu filho. Para contar como fomos parar na UTI, preciso contar um pouco sobre o meu parto.

Sou enfermeira obstetra e parteira, já vi mais 800 bebês chegarem à esse mundo. Sempre acreditei muito no parto normal e, desde muito cedo, eu tinha o desejo de parir. Por outro lado, fui influenciada pela formação técnica de enfermagem e pela sociedade como um todo, que nos impõe muitos medos (muitos deles, inconscientes). Quando engravidei do Lucas eu já era mãe do Gabriel, que nasceu de uma cesárea necessária. Parir era então, além de uma realização pessoal, poder quebrar um ciclo, já que na minha família os nascimentos via cesárea reinavam absolutos.

Violência neonatal

Na gestação do Lucas, tive diabetes gestacional. Lucas era um bebê grande e eu tinha indicação de induzir o parto, mas não induzi, entrei em trabalho de parto com 39 semanas. Foi um trabalho de parto muito longo e difícil pelo qual eu precisava passar. Hoje eu olho para o meu parto e fico muito agradecida, muito honrada. Eu saí dele muito mais forte! Meu filho nasceu e foi para a UTI. Lucas teve distócia de ombro (esse é um dos riscos da diabetes gestacional por conta do desenvolvimento do bebê grande). Ele foi para uma UTI em um hospital onde eu era vista como a “louca do parto normal”, todos ali me conheciam pelos partos que acompanhei e perguntavam a todo tempo o porquê eu não havia feito cesárea.

Foi a partir daquele momento que percebi o quanto ficamos vulneráveis e expostas na UTI. Cada mulher que está ali tem uma história de muita dor, muito medo e angústia. Pra mim, além de tudo isso, havia a questão de ser a todo tempo apontada e julgada pelas minhas escolhas.

Falamos muito sobre violência obstétrica e temos sido ouvidas e podido conscientizar mais a sociedade sobre a sua existência, mas é preciso olharmos também para a violência neonatal que faz com que o profissionais julguem e inferiorizem mulheres e os bebês que necessitam de cuidado e apoio. Foi ali também, naquela UTI que ouvi de um médico que meu filho nunca seria normal. Hoje, enquanto escrevo esse texto, Lucas está com 3 anos e não tem nenhuma sequela!!

Amamentação na UTI

Eu não amamentei o Lucas durante os primeiros dias da sua estadia na UTI. Não era permitido que eu o amamentasse mas apenas que fizesse a ordenha como uma obrigação, a cada 3h, em um box de amamentação, com um relógio pendurado na parede, onde as mulheres não se viam, não podiam conversar. Era um ambiente hostil, de muita pressão. Onde reinava um silêncio mórbido. Decidi que durante o tempo que estivesse na UTI eu queria estar com o meu filho, por isso deixei de ordenhar e passei a oferecer o peito (quando foi liberado o aleitamento materno) pra ele enquanto eu estava no hospital . Quando eu não estava, eles davam complemento e tudo bem, foi essa minha escolha para aquele momento.

Foram 21 dias de UTI nos quais Lucas foi alimentado com complemento. Quando finalmente eu pude tirar meu filho do hospital, expliquei pra ele que de agora em diante eu estaria disponível para ele, mas que seria só o meu peito, que teríamos algumas dificuldades, mas que não havia outra opção. E assim foi, Lucas não tomou leite artificial desde que saiu da UTI.

Lutar contra o sistema na vulnerabilidade é muito desafiador

Eu sou enfermeira, consultora de aleitamento e tive o apoio de muitas profissionais para fazer dar certo. Se tivemos uma história de sucesso na amamentação o mérito é todo nosso e das mulheres incríveis que nos acompanharam nessa jornada. Durante a estadia do Lucas no hospital, não houve nenhum tipo de incentivo nem estímulo à amamentação, mas sim ao uso da chupeta e do bico de silicone e à oferta do leite em pó. Sim, é todo um sistema que precisa ser mudado e lutar contra esse sistema na vulnerabilidade é muito desafiador. Se eu cheguei em casa e amamentei meu filho, por quê no hospital isso não era possível?

O fato é que somos desencorajadas a participar do processo, somos desacreditadas do nosso poder, da nossa voz. A mulher que está com o seu filho na UTI não é coitada, ela é força, é movimento, ela precisa de massagem nos pés, nos ombros, ela precisa ser cuidada!!

Se você está como seu filho na UTI, receba aqui meu forte abraço, respire fundo e acredite: vai passar! Se você é profissional da área da saúde ou cuida de mulheres, meu apelo: precisamos humanizar a UTI neonatal! Essas mulheres e esses bebês precisam ser cuidados, olhados com amorosidade e individualidade. Tudo o que vivi ali, durante aqueles eternos 21 dias, me motivou ainda mais a assumir minha missão de ajudar as enfermeiras a se olharem, a cuidarem melhor de si, a curarem suas dores, para poderem cuidar melhor das outras mulheres.

Karina Fernandes Trevisan é mãe do Gabriel e do Lucas, formada em enfermagem obstétrica pela Unifesp, mestre em saúde materno infantil e doutora em cuidados em saúde, ambas pela USP.

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